Co-dependência é o que chamamos a relação de cuidados entre dois seres. Assim sendo, há uma co-dependência a qual chamamos natural e existe na relação entre um animal recém-nascido e sua mãe, na criança pequena ou bebê com a pessoa responsável pelos cuidados maternais, do jovem aluno – no início dos seus estudos – com o professor, do doente enfermo – que necessita de cuidados especiais – com o médico/enfermeiro etc. Podemos dizer, que no início de uma relação isso é normal e até importante. Mas acreditamos, que de ! forma progressiva, cada qual vai amadurecendo em busca de sua autonomia e o outro vai se tornando um cooperador, crescendo também na relação à medida que se vai de encontro aos seus sonhos pessoais, a essa evolução chamaremos de interdependência.

Na relação humana, a co-dependência se torna uma doença à medida que esse processo é interrompido e um deles ora se adianta em relação às necessidades do outro ou “toma” o lugar do mesmo. Exemplos como: a mãe que demora no treino de toalete do filhinho ou que quando a criança chega à fase escolar ao invés de apensas orientar faz a tarefa de casa dela; da mulher – que por causa do alcoolismo do marido – assume finanças da casa; do pai que vai até a favela buscar droga para que o filho não corra riscos ao sair de casa e use dentro do quarto; do marido ou esposa que só sai de casa com o companheiro (a) etc. É bom lembrar ! que se relacionar significa ligar-se e não se aprisionar ou ser aprisionado por alguém ou por algo. Também comumente ouvimos: Eu dei a vida por você, fiz isso por você etc.

Se compararmos a família com uma empresa, termos que postular que a segunda funciona bem quando qual executa o seu papel previamente determinado. Opostamente, uma empresa que vai mal das vendas, das finanças ou da produção, provavelmente encontrar-se no caos. Dessa forma, o gerente não gerencia, o contador não contabiliza, o operário não produz etc, ao contrário, cada qual deve estar realizando uma tarefa que não a sua. Costumamos dizer que todos, a empresa e a família estão na Unidade de Terapia intensiva (UTI) e precisam de uma intervenção o mais breve possível para voltar à produção saudavelmente e não falir.

No nosso caso, quando falando em Dependência Química, entendemos que se trata de uma doença progressiva, incurável e fatal e que afeta não apenas o usuário, mas toda a família. Muito embora não seja contagiosa, ela é contagiante, quando um membro da família adoece, todos “adoecem” juntos, emocionalmente falando.

Os profissionais da área da saúde se deram conta disso, quando perceberam que após o tratamento do doente (dependente químico), havia altos índices de recaídas provocados pelos familiares. Assim posto, resolveram tratar os indivíduos de forma sistêmica, ou seja percebendo todos como parte de um sistema que necessita de uma intervenção direta e convidando a família a discutir não propriamente a doença do ente querido, mas a relação de todos com o mesmo.

Nosso público, é majoritariamente, de pessoas que chegam por meio de resgate, ou seja trata-se daqueles indivíduos que vêm até nós contra a vontade (o tratamento é compulsório). Mas independente disso, notamos que ocorrem mudanças no decorrer e após a internação, mesmo que haja recaídas. Nossos pacientes afirmam que ainda que no contexto descrito aqui, eles não conseguem usar drogas ou beber com tranqüilidade após um período que estiveram internados na clínica.

Assim sendo, eles mudam e podem recair com mais freqüência quando a família não participa do grupo de apoio. É notório, que quando não restringem a participação do tratamento às visitas ou orientações médicas/psicológicas dos profissionais no Ambulatório e participam do Grupo de Apoio Familiar eles aprendem a ser melhores pais, mães, maridos ou esposas etc. mais assertivamente, rede! finem seus papéis, aprendem a colocar limites e sobretudo resgatam sua própria vida! Afinal de contas, na doença do outro e na co-dependência, deixamos nosso lazer de lado, até paramos de trabalhar, não visitamos nossos amigos, não saímos nossa esposa (o) ou conversamos com outros membros da família, tudo porque o outro familiar é alcoolista ou dependente de drogas, e precisa de ajuda, afinal os outros “andam bem”.

A rebeldia adolescente, o uso de drogas ou álcool, pode ser um sintoma de disfunção familiar, um pedido de socorro. Mas de difícil percepção, pois o outro acredita que o problema está no doente. No entanto, quando o problema vem à tona nota-se os primeiros sintomas da co-dependência doentia que são: a depressão, a irritabilidade e a culpa, com aquela velha pergunta: Onde foi que eu errei? O mais difícil de tudo e argumentar para a família que não há culpados, mas que precisamos tratar a todos, ainda que isoladamente. Acreditamos que a plena recuperação do Dependente Químico ocorre apenas, quando se consegue resgatar as famílias e os seus laços perdidos na doença e assim também no estabelecimento outros novos.

Artigo publicado em 2006 para o jornal Gazeta de Pinheiros, SP